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Crítica | Vigilante do Amanhã: Ghost in The Shell


Ghost in The Shell, seja em seu mangá, em seu anime, em seus filmes, serviu de referência direta para a trilogia Matrix, que foi um fenômeno no fim dos anos 90 e início dos anos 2000. Seja por seu visual cyber-punk, que remete diretamente ao clássico Blade Runner de 1982, ou por toda a sua filosofia sobre dados tecnológicos que foi muito bem aproveitada pelas irmãs Wachowski. Agora, o universo de Motoko Kusanagi chega aos cinemas com olhares mais voltados para o público geral, tentando manter a essência da discussão sobre identidade – que o anime tratou de maneira bastante expansiva – e tentando consolidar uma franquia nos cinemas.

A história do live-action se passa em 2029, em um mundo que a cibernética está em um estado muito avançado, e uma militar chamada Motoko Kusanagi (Scarlett Johansson) é uma cobaia pioneira em conciliar a junção de um cérebro humano com um corpo quase totalmente robótico, possibilitando a criação de praticamente uma arma de guerra. No filme, Kuze (Michael Pitt) tenta destruir os envolvidos nesse projeto científico, conhecido como projeto 2571, restando a Motoko e sua equipe do setor 9 impedir o vilão.

Se no anime a sua maior qualidade é a capacidade de conciliar uma trama filosófica que traz questões pertinentes sobre identidade e o que nos torna humanos, no filme, toda essa discussão é ofuscada por um roteiro que tenta ser profundo, mas peca pela falta de subjetividade e pela superficialidade da discussão sobre humanidade. Rupert Sanders, o responsável por transformar o anime/mangá em um live-action tinha uma tarefa bastante complicada: manter a essência profunda do material original, apresentar diversos conceitos inerentes à história e por fim, transformar tudo isso em um filme que o grande público pudesse entender. O grande problema de Sanders é não decidir-se.

À primeira vista, Ghost in The Shell é um filme bastante corajoso. É difícil um estúdio apostar em um projeto que traga uma discussão tão sensível, e que opte por deixar a ação em segundo plano. Porém, neste filme, são bastante evidentes dois tons antagônicos: o lado que quer manter a essência do anime e outro, o lado comercial, apelando para as cenas de ação – e não há problema algum com isso, muito pelo contrário, é realmente necessário. Entretanto, Sanders não consegue equilibrar isso. O diretor opta por deixar a parte filosófica de segundo plano, e prefere apresentar diversos conceitos – conceitos demais, para falar a verdade – e tenta expandir o universo de Motoko, ao mesmo tempo em que tenta criar um filme de ação significativo, e, ainda concomitantemente, tenta evidenciar o lado da discussão sobre humanidade. O resultado? Uma mescla mal pensada de ação mal rodada, um universo que parece ser muito rico, mas não é muito explorado, e uma discussão que poderia ser bem desenvolvida, porém no filme, fica extremamente rasa.

Entretanto, o que mais ofusca o filme é a fraca direção de Rupert Sanders (conhecido por A Branca de Neve e O Caçador). Apesar de apresentar um visual totalmente irretocável, lembrando – e muito – o universo introduzido por Ridley Scott em Blade Runner, cheio de neons chamativos, diversos veículos circundando pela cidade, cores bastante vivas apesar do ar soturno e sujo que a cidade apresenta, o diretor acaba se perdendo nas cenas de ação. Seja na falta de clareza que as lutas apresentam – sendo bastante difícil de enxergar qualquer coisa em tela – ou na própria falta de naturalidade das lutas. Não há sequer uma luta no filme que faça o espectador sentir pelo menos 10% do que sente em qualquer cena de luta de um filme como John Wick, por exemplo. Além disso, o filme, que não se resolve nos diálogos, acaba também não se resolvendo na ação, extinguindo qualquer tom lúdico que pudesse apresentar. Mas uma coisa é inegável: o filme é um show de design – seja na ambientação, seja no design de qualquer personagem, seja no design de uma simples caneca, tudo é extremamente caprichoso.

Outro ponto do filme que fica mediano é a própria Scarlett Johansson. Culpa dela ou do diretor, houve um grande desperdício de potencial. No anime, a personagem de Johansson, Motoko, trata da ausência, parcial ou total, de humanidade, justamente por causa de sua aparente falta de humanidade. No filme, a atriz não consegue passar a mesma sensação. Apesar de fazer um bom trabalho como a conhecida Major, ela não consegue transparecer a ausência de emoções, tão característica da personagem do anime.

Apesar de todos esses erros, Sanders tem seus méritos no trabalho. Toda a apresentação do universo é bastante desenvolvida e bem explicativa – apesar de demorada e um pouco monótona. O filme, que é basicamente um compilado de diversos elementos de todos os animes, mangás e filmes, é extremamente fiel à mitologia de Motoko Kusanagi, seja visualmente, seja conceitualmente e até mesmo as próprias questões filosóficas – mesmo que mais rasas.

Ghost in The Shell não é a adaptação perfeita que se esperava. É sim bastante fiel, mas isso não é o suficiente para um ótimo filme. Ainda que apresente conceitos similares aos do anime, e consiga apresentar um universo muito rico, Rupert Sanders faz isso de maneira pobre, e ofusca a melhor característica do anime: toda a questão da ausência de humanidade da personagem. É um filme que buscou ótimas referências – como o próprio anime, Blade Runner e até mesmo de Matrix, que é fruto do anime – mas utiliza-as de maneira parcial, deixando de lado heranças que poderiam ser mais bem aproveitadas, como as cenas de luta bem filmadas das irmãs Wachowski, e a maneira inteligente delas de usar a câmera lenta. O filme é um show visual, mas um show visual vazio, que esquece dos principais questionamentos do material original, e não sabe trabalhar as cenas de ação da maneira devida. A esperança é que, caso haja uma continuação, a ação seja melhor dirigida e o filme não se prenda tanto a conceitos, mas realmente desenvolva o rico universo de Motoko.

Nota: 3/5

HOLANDÊSVOADOR

Embarcando no cinema

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