Crítica | Assassin's Creed
O desafio de adaptar games para o cinema não é de agora. De alguma forma, desde os anos 90, diretores, roteiristas e produtores encontram grande dificuldade em entender a essência de jogos de videogame de sucesso e traduzirem os elementos inerentes de cada franquia para as telonas de uma maneira fiel e mais explicativa para os que não conhecem os games originais. No decorrer dos anos, algumas adaptações até renderam bons comentários por parte dos jogadores e dos críticos cinematográficos, mas sem nunca transmitir o que de fato aqueles jogos transmitiam. Algumas adaptações, como, por exemplo, Resident Evil, renderam até mesmo franquias longas no cinema, mas distanciando-se muito do material original e desagradando boa parte dos fãs (eu estou incluso nessa boa parte). As apostas dos gamers se concentraram, portanto, em Warcraft – que não foi lá essas coisas – e Assassin’s Creed. A grande pergunta é: Assassin’s Creed é, enfim, a adaptação que sonhamos? Sim, é.
Assassin’s Creed carregava uma missão ambiciosa: como traduzir uma franquia de games que se passa em dois tempos diferentes, utiliza-se das manobras de parkour mais fictícias já vistas, possui uma mitologia que demorou mais de três jogos para ser totalmente desenvolvida e por fim, possui o salto mais inacreditável de todos. Além disso, explicar todo o credo, toda a organização templária e a luta entre as duas organizações, enraizada em todo seu contexto divino, para o público geral não era nada fácil. Porém, Justin Kurzel, o diretor do filme, consegue mesclar todos esses elementos em apenas um filme – e mais impressionante ainda, sem parecer todo embolado.
O filme se passa em 2016, quando a Fundação Abstergo (templários disfarçados de empresários) continua sua procura pela maçã do Éden, um artefato que tem o poder de controlar o livre-arbítrio da população, fazendo com que toda a violência no mundo seja extinta e a paz mundial seja finalmente alcançada. Para alcançar esse objetivo, a Dra. Sophia Rikkin (Marion Cotillard) rastreia o último da linhagem dos assassinos, Callum Lynch (Michael Fassbender) para poder reviver as memórias de seu antepassado, Aguilar, para que possa rastrear a localização da maçã – tudo isso por meio da máquina criada pela doutora, o Animus, que permite que uma pessoa viva memórias de antepassados e aprenda com elas. A partir desse contexto é que o filme se divide em duas linhas narrativas: a sofrida busca de Aguilar e seus companheiros assassinos em busca do artefato na Espanha, em 1492, e no tempo presente em que Cal precisa entender o significado de sua linhagem.
Grande parte do que faz Assassin’s Creed ser não apenas um ótimo filme, mas uma ótima adaptação, é o fato de que Justin Kurzel entende as noções de escala que os jogos da franquia sempre apresentavam. Por mais que o diretor não estivesse familiarizado com a franquia quando embarcou no projeto, ele parece ter feito sua lição de casa. Logo de início, na primeira vez que mergulhamos nas memórias por meio do Animus, Kurzel consegue transmitir a sensação de imponência que as cidades dos jogos sempre traziam. Além de uma cena de abertura que lembra muito o começo do game Assassin’s Creed Brotherhood, o que já é puro fan service, Justin também consegue trazer toda a dimensão de grandeza que os jogadores sentiam ao controlar Ezio em Veneza/Florença, ou Arno em Paris. A maneira como o diretor opta por takes distantes também contribui muito para isso, dando uma sensação de imersão praticamente indescritível. As cenas de ação também transmitem a mesma sensação, sempre remetendo a batalhas de espadas durante os games e às clássicas perseguições a cavalo.
Ademais, Kurzel consegue inserir durante o filme elementos que fazem qualquer fã da série de jogos arrepiar-se na poltrona. Desde o momento em que Aguilar fecha os olhos de um padre que mata, passando pela característica águia da franquia e pelos momentos de escalada – que são idênticos aos dos games, mesmo que sejam trazidos um pouco mais para a realidade -, mencionando termos conhecidos dos jogadores como, por exemplo, “dessincronização”, colocando até mesmo assassinos dos jogos em tela, e por fim, chegando ao seu ápice: o tão esperado salto de fé. Ainda que haja certa indecisão por parte do diretor na filmagem da cena - não decidindo-se qual maneira seria a mais épica para filmar o pulo, fazendo com que ele insista em repeti-la de vários ângulos, tornando-a um pouco confusa - os dois pulos que o filme apresenta são de tirar o fôlego.
A maneira com que a história é contada também não decepciona. Por mais que durante o marketing do filme, a afirmação do diretor de que “o filme tem mais cenas no presente do que no passado” tenha decepcionado muitos fãs dos games da série, depois de ver o resultado final, o motivo para tal escolha fica bem claro e é difícil culpar o realizador do filme e os roteiristas. Afinal, fica difícil explicar toda a mitologia que envolve reviver memórias enquanto o personagem está em uma memória. E no fim das contas, há tantas cenas no passado quanto no presente – e as cenas de ação do presente são igualmente incríveis. Enfim, como dizia em relação à história, o filme consegue desenvolver toda a parte mitológica e “divina” da série de maneira superficial, apresentando apenas alguns conceitos iniciais, mas é possível perceber que isso é intencional.
Assassin’s Creed é o que esperávamos. Demorou, mas finalmente tem-se uma adaptação digna dos games. Por mais que algumas liberdades criativas tenham sido tomadas durante todo o processo criativo do filme, nada afeta a sensação de que você está vivendo o que já jogou. Ver Assassin’s Creed é basicamente entrar em um Animus que revive algumas memórias de games que você já jogou. Sem faltar com os fan services – muito bem elaborados – e com uma história bem construída, de maneira que o público que desconhece todo o universo dos games consiga entender, o filme é a redenção que os jogadores esperam há muito tempo. É difícil prever a recepção que o filme terá por parte da crítica especializada, mas se depender da opinião de um fã de longa data da franquia de games: o segundo filme já pode começar a ser produzido.
Nota: 4/5
Ficha Técnica:
Elenco: Michael Fassbender, Marion Cottilard, Jeremy Irons, Brendan Gleeson, Ariane Labed, Michael K. Williams.
Direção: Justin Kurzel.
Roteiro: Bill Collage, Adam Cooper e Michael Lesslie.
Data de lançamento no Brasil: 12/01/2017.