Crítica | Passageiros
Há filmes que buscam se sustentar no potencial carismático de suas figuras centrais, mas acabam por escassear em fatores complementais como roteiro e argumento final. Passageiros cria e cai em suas próprias armadilhas ao se aventurar em um filme ingênuo demais para a complexidade de um dilema controverso, que mais ofusca do que aprofunda o impacto da história.
Dirigido pelo norueguês Morten Tyldum (O Jogo da Imitação) e estrelado por Chris Pratt e Jennifer Lawrence, duas figuras em alta na industria cinematográfica da atualidade, o filme conta o arco de dois passageiros que acordam 90 antes do programado durante uma viagem espacial. Enquanto um romance é desenvolvido, uma pane na nave ameaça a vida dos 5 mil tripulantes à bordo. Michael Sheen e Laurence Fishburne completam o elenco.
Há, sem dúvidas, um enorme deleite em acompanhar Chris Pratt e Jennifer Lawrence em um filme. O talento das estrelas é indiscutível e importantíssimo para que a obra funcione. E por este lado, ela funciona. Se Pratt precisa prender e entreter o espectador durante grande parte do primeiro ato sozinho, Lawrence encanta com elegância e ponto de partida para o arco dramático. Porém, se as atuações são eficientemente cativantes, o fraco está no desenvolvimento dos personagens escritos por Tyldum. Um ponto recorrente na carreira do diretor, em que mesmo em seu melhor trabalho, precisou sustentar o personagem de Alan Turing na brilhante atuação de Cumberbatch em 2015.
Pratt e Lawrence executam perfeitamente até os diálogos mais fracos do filme (entre eles Chris Pratt dizendo: "Vou tirar a barba." ao fazê-lo). Infelizmente, o início da projeção é absolutamente mais interessante com Chris Pratt à la Tom Hanks em Náufrago, antes de Lawrence entrar em cena - não por sua culpa, mas sim por um roteiro desatencioso que se perde inúmeras vezes ao tentar estabelecer um romance com uma carga delicada e complexa enquanto tenta criar suspense e ficção científica, muitas vezes, de forma artificial.
Passageiros começa muito bem ao estabelecer seu primeiro protagonista em uma situação extremamente desesperadora e sem saída. É ótimo quando o cinema nos faz pensar no que faríamos se estivéssemos no lugar da personagem. E por isso é tão interessante acompanhar Pratt vivendo e sobrevivendo sozinho em uma nave. Há belos momentos cômicos ao longo do primeiro ato que se estendem a ótima participação do talentoso Michael Sheen. Um dos grandes problemas de Passageiros vem justamente da expectativa criada, não só por trailers, mas pelo próprio filme em um aguardado final impactante e reflexivo. Mas longe disso, bem longe.
O filme propõe questionamentos como: por que ele acordou 90 anos antes do tempo programado? Há mais alguém acordado que poderia ter feito isso? Será que passaram por um buraco de minhoca que alterou a relatividade do tempo no espaço? Por que eles estão deixando a Terra? O mundo acabou? As respostas são muito mais simples do que perguntas habituais da ficção-científica. Isso significa que todo filme do gênero precisa explodir cabeças no final? Não, afinal, Gravidade funciona perfeitamente. Entretanto, todo filme que propõe questionamentos profundos merece respostas igualmente impactantes. E se não for suficiente, o filme desenvolve suspense com a origem de seus acontecimentos ao criar uma atmosfera densa e misteriosa em sua narrativa. Se a proposta final se baseia em focar no romance acima da ficção-científica, tais questionamentos poderiam facilmente serem respondidos antes da entrada de Lawrence. A química entre os atores é cativante e poderia sustentar o enredo.
Dito isso, tal química é ofuscada ao tratar o ponto de partida do arco romântico com uma atitude desumana de um dos protagonistas. Por mais que o autor de tal ato tenha conhecimento do egoísmo de sua atitude e sofra por isso, falta desenvoltura em Tyldum para lidar com a delicadeza de um assunto absolutamente atual. Evitando spoilers, um desenvolvimento melhor elaborado (levando em consideração o final mais óbvio do mundo) impediria de eleger a atitude como um erro do filme, e não apenas do personagem que o causou, por mais que o diretor demonstre ciência ao tratar isso como um ato horrível. Tyldum se mostra mais preocupado em criar conflitos amorosos para prender a nossa atenção. Algo que se torna irrelevante em um filme com grande potencial de sci-fi. Então voltamos ao ponto dos questionamentos. Passageiros arrisca e falha ao tratar de um assunto delicado sem deixar mensagem. Não seria melhor buscar uma causa mais filosófica e fantasiosa para o que acontece?
O trabalho de fotografia do mexicano Rodrigo Prieto (Babel; O Segredo de Brokeback Mountain) é organicamente eficiente ao ostentar a profundidade e densidade do espaço em cenas externas. O trabalho visual do filme valoriza o 3D e torna a escuridão do universo amedrontadora e provocante. Mais um belo trabalho de Pietro. Os momentos de tensão também merecem reconhecimento. Há cenas impactantes e sufocantes nos momentos de urgência do terceiro ato. Vale destacar a cena de Lawrence na piscina quando a gravidade da nave é desligada.
Passageiros é um filme instável e mediano com grande potencial desperdiçado, tanto pelo ótimo elenco quanto por uma bela oportunidade de se aprofundar em questões filosóficas. A ficção-científica estava muito mais interessante e cativante do que o desenvolvimento conturbado do romance. Um filme que poderia ser lembrado por propor reflexões e estudos de autodescoberta, mas que só será lembrado por sua controvérsia.
6,0/10