Crítica | A Chegada
Não são poucas vezes em que a arte, sendo ficcional ou biográfica, sobreleva a realidade em termos de cativação. Há sempre um elemento sedutor em obras que se prestam a propor discussões e reflexões sobre nossas próprias vidas, tanto durante quanto após os créditos rolarem, e se isto é um fato já comprovado por produções predecessoras, A Chegada sustenta um auto estudo sobre nossas passagens na vida ao conceituar a tendência humana de confrontar o desconhecido.
Nesta obra de Dennis Villeneuve (Sicario, O Homem Duplicado), logo somos apresentados a melancólica realidade de Louise Banks (Amy Adams), uma linguista, em uma breve passagem de tempo guiada por cortes instantes. Sem se preocupar em estabelecer sua protagonista no presente que antecede a chegada da vida extraterrestre, Villeneuve desenvolve Louise durante sua trama ao exercer sua função no enredo. 12 naves alienígenas chegam em diferentes lugares da Terra e um contato se torna inevitável.
Apresentando um início tocante e cruelmente realista, Villeneuve começa sua avaliação sobre a vida com o duro choque da perda. Fotografado por um belo trabalho turvo e lúgubre de Bradford Young (parecido com o que fez em O Ano Mais Violento), a atmosfera melancólica dita um tom denso para a trama, seguindo um acerto constante nos filmes de Villeneuve. Mas se obras como Os Suspeitos e O Homem Duplicado exploram a tensão entre seus personagens centrais para causar inquietude, A Chegada instiga questionamentos e reflexões sobre nossa própria existência. E isso sem se sustentar a artifícios expositivos de narrativa, afinal nenhum personagem sequer elabora esta discussão propriamente dita em cena. O filme consegue extrair esta interrogação em nossas cabeças de forma segura, trabalhando o inconsciente.
Inclusive é fascinante como Villeneuve propõe esta reflexão de autodescoberta em um filme de ficção científica. A Chegada é um estudo sobre humanidade que aborda como tema a vida extraterreste, e este objetivo fica evidente desde os minutos iniciais da produção. Não há guerras, não há batalhas universais, e é justamente essa expectativa que criamos com filmes do gênero que é abordada indiretamente em A Chegada, ao explorar nossa hostilidade com o desconhecido. Mas será que somos realmente culpados? Aqui me encontro em questionamento novamente, pois Villeneuve assim quis. Por mais que seja absolutamente compreensível um senso de defensiva e cautela ao lidar com uma visita além da nossa compreensão, imaginar que somos capazes de atacar civilizações somente por não conhece-las, tanto por não familiaridade ou por equívoco de interpretação, é sensivelmente incômodo. E A Chegada merece aplausos por instigar tais questionamentos.
Apostando em uma narrativa sem pressa, atípica de outras produções de ficção científica, é justamente nesta ausência de urgência (onde aqui não faz falta) que a tensão é construída, principalmente nos primeiros momentos de contato. Há uma estranheza cativante quando os personagens adentram a nave pela primeira vez, guiados por uma trilha que aguça o receio e aprofunda o psicológico, coroando visualmente com contrapontos internos. Grande parte do filme é explorado por posicionamentos elegantes de pontos de vista, elaborando um endeusamento receoso com enquadramentos de baixo para cima ao revelar as figuras alienígenas.
A figura central da trama é Louise Banks, vivida magistralmente por Amy Adams (Animais Noturnos). Sua protagonista exerce a função de criar o equilíbrio entre o drama e a tensão gerada pelo mistério. E é por isso que seus momentos são todos – eu disse todos – impactantes, tanto quanto o primeiro surgimento das naves. Vale destacar que as chegadas são anunciadas em um momento onde a própria personagem diz que a linguagem era uma forma artística de se expressar, evidenciando assim suas motivações ao desenvolver um grande interesse pelo contato com os seres extraterrestres. Inclusive, a opção por ocultar a invasão durante o anúncio na televisão, focando apenas no rosto de Adams é mais uma peculiaridade interessante de Villeneuve, basicamente deixando claro o fascínio de sua protagonista ao exercer sua função. E pensar que filmes de terror simplesmente levam seus personagens ao buscar o barulho no corredor escuro somente para criar tensão e susto sem o menor desenvolvimento.
Além de uma produção que mereça ser analisada por seu interpretativo, mais do que por seu conteúdo visual, A Chegada é uma verdadeira experiência que vai além de um entretenimento, se tornando um dos melhores filmes da década.