Crítica | O Nascimento de Uma Nação
100 anos depois do tecnicamente lendário e extremamente racista “O Nascimento de uma Nação”, Nate Parker produz sua própria versão com uma temática oposta e moral com sua estreia na direção, adaptando a história real da rebelião escrava liderada por Nat Turner em 1831.
Também protagonizado por Parker, O Nascimento de uma Nação aborda um tema altamente prestigiado em Hollywood e habitualmente marcando presença nas premiações da sétima arte. Mas apesar de um senso de direção promissor, Parker falha em momentos cruciais de sua trama, deixando passar uma grande oportunidade de fazer seu nome no Oscar com duas indicações para si (digo isso sem levar em consideração o escândalo extra filme que certamente já está lhe prejudicando).
Parker aposta no arco dramático de seu protagonista com leveza e segurança em seu desenvolvimento inicial. Há um grande espaço para estudo de personagem em Nat Turner e a trama lhe dá liberdades para crescer com autonomia e autenticidade. E é por isso que o filme arrisca em se apresentar inteiramente em seu ponto de vista e consegue ser bem-sucedido em criar uma forte empatia necessária com seu protagonista. E por mais eficiente que seja esta conexão, acaba por prejudicar levemente a sintonia com seus coadjuvantes em cena.
Sim. O filme pertence a Nat, mas outras obras que abordaram a mesma temática foram capazes de criar uma imersão mais profunda ao estabelecer a conexão do público com seus personagens secundários. Por exemplo, o notável talento da não tão conhecida Aunjanue Ellis é praticamente descartado enquanto vive a mãe de Nat. O mesmo acontece com a personagem vivida por Aja Naomi King. O coadjuvante que mais se sobreleva é o papel de Armie Hammer, dando vida a um senhor de escravos que, por mais que ainda seja um homem gentil e amigável, sua posição na trama não é esquecida. Uma complexidade necessária em meio à vilões vazios que são antagonistas por serem brancos (e realmente não era assim?).
Como falei antes, a direção de Parker tem seus bons momentos, como a angústia provocada em seus expectadores ao mostrar a crueldade de monstros, mesmo que evitando a violência gráfica, à um povo maltratado só por ter nascido desigual. Filmes que nos fazem refletir e questionar a capacidade de destruição humana merecem ser valorizados nos tempos em que vivemos. E é por isso que a violência em filmes de escravidão nunca deve ser rotulada como gratuita. A mensagem é sempre mais importante e, aqui, é passada.
A trilha sonora impactante de Henry Jackman pode não ser tão marcante quanto hinos de guerra, mas exerce a função de acentuar os picos dramáticos dos discursos carregados de emoção, bradados e lacrimejados de Nat Turner. É incrível como os olhos de Parker se expressam tão bem quanto suas palavras, tornando seu personagem verdadeiro e orgânico em passagens complicadas. A belíssima fotografia de Elliot Davis também merece destaque por suavizar a trama ao transcender o ambiente das fazendas e plantações sob a luz do sol em planos abertos.
O terceiro ato tropeça em alguns passos. A rebelião homenageada no filme leva um bom tempo para se iniciar, e quando acontece, ocorre de forma apressada e às vezes até simplista. Se Parker preocupou-se demais em desenvolver o arco dramático de Nat ao explorar seu lado religioso, um pouco de revolta e rebeldia contribuiriam para evitar superficialidades no momento mais importante da trama, tornando-a mais impactante e, talvez até mesmo, épica.
O Nascimento de uma Nação comprova o grande talento de Parker como ator e evidencia sua falta de experiência na direção com falhas perdoáveis, mas cruciais. Seu trabalho, entretanto, merece ser valorizado independente de seu caráter. Uma pena que, como obra, não terá o reconhecimento que ameaçou ao ser tão elogiado em festivais do início do ano. A mensagem de Parker é transmitida, mas merecia um impacto social e cinematográfico muito maior.