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Entenda toda a história de 'Duna' o filme nunca lançado de Jodorowsky


Incrível a capacidade que o cinema tem de influenciar a vida das pessoas. Não importando o gênero, indo do drama a ficção científica, de Charlie Chaplin a Star Wars. Além da diversão e do entretenimento, a arte trabalha para que opiniões sejam formadas, ideias sejam mudadas e vidas possam ser influenciadas.

Uma lenda. Essa seria a definição de um artista que revolucionou a forma de fazer arte nas “telonas” sem mesmo ter colocado seu maior projeto à mostra. Este é Alejandro Jodorowsky: cineasta, poeta, escritor e psicólogo. Nasceu no Chile, em Iquique, dia 17 de fevereiro de 1929. Autor de filmes como El Topo (1970) e The Holy Mountain (1973), Jodo, como também era chamado, buscava algo mais em sua vida. Para ele, os filmes eram muito mais arte que uma indústria e, na época, se dizia aprisionado em seu ego e intelecto, querendo abrir sua mente. Isso o levou a começar uma luta para realizar um filme: Duna.

A ideia era fazer um filme que desse às pessoas as mesmas alucinações que teria uma pessoa que tomava LSD na época, mas sem alucinar de fato. Ele queria na verdade, reproduzir os efeitos da droga sem que a tomassem. Com ambições gigantescas, ele queria criar um tipo de “profeta” que mudasse as mentes jovens de todo o mundo. De acordo com ele, Duna seria como a chegada de um deus artístico e cinematográfico, algo bem maior que um filme, que fosse sagrado, livre, para abrir (ou explodir) sua mente.

Como tudo isso funcionaria então? Vamos ao apanhado:

Em 1974, Michel Seydoux entrou em contato com Jodo para que eles pudessem fazer um filme juntos. Seydoux adorou o trabalho realizado em The Holy Mountain, por isso, disse que Jodo poderia fazer o que quisesse com o filme. Eles acabaram se tornando grandes amigos. Então Alejandro disse que queria fazer Duna, por ser a “bíblia” da ficção científica e ter sido um sucesso literário na época. O detalhe é que ele nem tinha lido ainda. Então, Michel alugou um castelo enorme na França para que Jodorowsky se dedicasse 100% ao projeto. Nessa época, ele leu o livro e escreveu o roteiro, mas ainda precisava dos “guerreiros espirituais”, que era como ele chamava as pessoas que fariam tudo funcionar. Ele então encontrou uma HQ desenhada por Jean Giraud, também conhecido como Moebius, chamada “Tenente Blueberry” e pensou “este cara será meu câmera”. Após tê-lo encontrado por um acaso, chamou-o pra integrar a equipe. Então fizeram juntos um storyboard, com o filme completo em 3 mil desenhos. O filme começaria com um plano sequência, e Jodo se basearia no longa “A Marca da Maldade” (1958) de Orson Welles, que tinha um longo plano sequência. Mas ele queria fazer uma coisa melhor que Welles. Uma tomada que atravessaria todo o universo mostrando coisas acontecendo em cada lugar do espaço. Ou seja, genial!

Após isso, ele precisaria encontrar quem faria os efeitos especiais. Chegou a ir para Los Angeles encontrar com Douglas Trumbull (2001: Uma Odisséia no Espaço), mas esbarrou em sua vaidade e acabou desistindo dele. Ainda em Los Angeles, assistiu ao filme Dark Star e disse “é ele! Dan O’Bannon! Ele que eu quero no meu filme!”. O’Bannon foi o escolhido por colocar a arte na frente da técnica. Então aceitou o convite e se mudou para Paris. Com isso, a equipe já era formada por dois “guerreiros”, Moebius e O’Bannon, mas era preciso encontrar o restante.

Para interpretar o papel do pai Duque Leto, um dos principais personagens da história, foi escolhido o ator David Carradine, que na época havia estrelado uma série de TV bem conhecida. Para a trilha sonora, Jodo queria um grupo musical para cada planeta, então foram a Londres conversar com ninguém menos que Pink Floyd, para que pudessem fazer a música de Duque Leto. Eles estavam em meio à mixagem do disco Dark Side of the Moon, e após Alejandro explicar o que seria o projeto, a banda acabou aceitando. Na versão de Jodorowsky, Duque Leto era castrado, então como ele teria um filho? A esposa de Leto tomaria dele uma gota de sangue e transformaria em sêmen, e veríamos o sangue entrar em sua vagina, seguindo até o ovário e explodindo. Engravidaria através de uma gota de sangue. Verdadeiramente uma doideira! Deste amor espiritual, eles criariam Paul, um garoto mutante com grande poder. E para interpretar o garoto protagonista, Jodo escolheu o próprio filho, Brontis Jodorowsky, que na época tinha 12 anos e já havia trabalhado com o pai em El Topo. Ele queria que seu filho se tornasse o menino do filme, então o preparou colocando em aulas de karatê, jiu-jitsu, também aprendeu a usar facas, espadas, etc, 6 horas por dia, 7 dias por semana, durante 2 anos, deixando Brontis pronto para o papel. Houveram pessoas que julgaram essas atitudes de Jodo com seu filho, mas ele dizia que queria despertar a criatividade e abrir a mente do garoto, mas que também sacrificaria muitas coisas para fazer o filme acontecer.

Para desenhar as naves espaciais, ele trouxe Chris Foss, que já era conhecido por capas de livros de ficção científica e suas naves “com alma, como entidades”, de acordo com Alejandro. Jodo sempre lembrava seus “guerreiros” de que eles não estavam fazendo só um filme, mas sim algo importante para a humanidade, então sempre tentava motivá-los das melhores maneiras, principalmente dando total liberdade para que liberassem suas criatividades em suas funções.

Jodorowsky e Seydoux tinham um sonho. De que o Imperador louco da Galáxia fosse interpretado pelo ótimo e excêntrico Salvador Dali. Após um encontro entre eles em Nova Yorque, Dali disse que iria pensar e que os encontraria em Paris. Dito e feito. Após jantarem em um restaurante, fecharam o acordo e Dali passou a fazer parte de Duna. A “musa” de Dali, Amanda Lear, também se tornou uma grande aliada de Alejandro e acabou ganhando o papel da Princesa Irulan. Ela avisou a Alejandro para tomar cuidado porque Dali era destrutivo e para não estranhar se ele fizesse de tudo para destruir o filme. Dali então começou a exigir uma série de coisas como, por exemplo, um helicóptero, uma girafa para o personagem (?), e que fosse o homem mais bem pago de Hollywood, ganhando 100 mil doletas por hora! Isso mesmo que você leu. Eles aceitaram todas as condições, mas pagariam 100 mil dólares por cada minuto usado no filme. O personagem de Dali, mesmo sendo o Imperador da Galáxia, teria um grande medo de ser assassinado. Ele também teria um robô, um elemento da ficção muito usado na época, como vocês sabem.

Em uma conversa entre Jodo e Dali, o ator acaba mostrando um catálogo das artes de H. R. Giger, dizendo que o artista tinha muito talento. Jodo acha os trabalhos incríveis, por serem góticos, e vai atrás dele para criar o visual dos Harkonnen, os vilões do longa. Giger nunca tinha feito filmes e achou fascinante a ideia. Jodo dizia que precisava da originalidade dele e que sua arte era profunda e doentia, exatamente como ele queria. Em Paris, os dois foram a um show da banda Magma e foi a banda que eles escolheram para a trilha sonora do Planeta Harkonnen. Era uma banda bem gótica, violenta e pesada da época, e que aparentemente casaria perfeitamente com os personagens.

Acredito que todos que participariam do filme já estavam na cabeça de Alejandro Jodorowsky e para o personagem Feyd-Rautha não era diferente, pois ele queria ninguém menos que Mick Jagger para interpretá-lo. Em uma festa de gala, ele encontrou Jagger, que prontamente aceitou o papel.

Alejandro conheceu o ator Udo Kier e o chamou para trabalhar para ele. Era um grande ator da época com papéis incríveis, e seu personagem seria Peter Le Mentat. E, de todas as cenas que tive acesso até agora, “A Tortura de Leto”, com a participação de Peter, seria a mais forte e agoniante. Ela acontece quando Peter vai torturar Leto. Peter prende Leto, pega pinças grandes de um baú, vai em direção ao Duque, arranca seu braço direito e o coloca em uma caixa enquanto o Barão Harkonnen aplaude. Peter pergunta “Onde eles estão?!”, e sem resposta, arranca o outro braço. Peter pergunta de novo “Onde??”. Sem resposta novamente, ele arranca as duas pernas e coloca na caixa junto com as outras extremidades. Furioso, o Barão atravessa o cômodo, pega uma das pinças e corta a cabeça de Leto. Após isso, ele grita “Mulheres, crianças, velhos, doentes e cães... todos devem morrer!”.

“O Barão é um grande monstro, que possui implantes antigravitacionais e flutua o tempo todo por ser muito pesado.” – Disse Jodorowsky. Ele acabou escolhendo o ator Orson Welles para interpretar o papel do personagem. Na época, Welles tinha uma má reputação, porque diziam que não terminava os filmes e que era muito caprichoso, além de SÓ pensar em comer e beber. Foi só Jodo prometer que ele comeria todos os dias a comida de seu restaurante favorito, que ele aceitou participar do filme.

O castelo do Barão era uma escultura “cuspida” dele mesmo, o que demonstra seu grande ego. Quando sua nave chegava ao local, a língua do castelo saía, ele pousava e entrava.

A cena final seria “A Morte de Paul”. Peter iria ao encontro do garoto, o pegaria por trás pondo uma faca em seu pescoço e o cortaria, levando o menino morto ao chão. Mas a grande surpresa, seria de que ele na verdade não morre, mostrando que “toda a humanidade pode ser iluminada”, ou seja, ele não poderia ser morto porque sua mente seria a mente de todas as pessoas, como uma entidade plural. Na cena, aparecem várias pessoas, as vezes grupos, dizendo “Eu sou Paul!”, como se ele morresse fisicamente, mas se transformasse em todos. Então, no final, como toda humanidade é iluminada, a Terra muda, criando um anel azul em torno e uma vibração selvagem, e começa a crescer plantas, animais, se tornando um paraíso. Duna seria um planeta diferente, um planeta com a consciência de Paul e iria ao universo para iluminar todos os outros planetas.

Jodorowsky diz que não se deve respeitar tanto assim os livros quando se faz um filme baseando-se neles, que ele mudou e criou muitas coisas que não estão lá e que isso dá uma liberdade artística maior, usando o livro apenas como uma base.

A partir de todo o trabalho, eles criaram um grande livro de Duna, com fotocópias, técnicas usadas, detalhes de roupas e distribuíram para todos os estúdios cinematográficos. Achavam que seria mais fácil de explicar o filme com as imagens e todos os detalhes. Partiram então para Los Angeles para buscar quem quisesse ajudar com mais 5 milhões de dólares, pois o filme custaria 15 milhões no total. Mas as coisas não aconteceram como planejado. Primeiro foram convidados a ir nos estúdios Walt Disney pelo presidente do conselho. Ele analisou o projeto e achou maravilhoso, mas disse que “é como o Concorde... um avião excepcional, mas do lado de cá, nunca!”.

Hollywood, como todos conhecemos, não gosta tanto assim de filmes tão complexos, meio que psicodélicos, com ideias que mexam com o psicológico e espiritualidade fictícia, eles preferem os tipos de blockbusters que já dão certo tendo o mesmo padrão. Eles continuaram batendo de estúdio em estúdio e mesmo todos os recebendo muito bem, davam praticamente a mesma resposta “É excelente! Muito bem pensado! É até economicamente viável, mas não entendemos seu diretor”. Para Richard Stanley, eles não estavam preparados para julgar o trabalho, porque não eram artistas ou designers, eram executivos engravatados e contadores, que só sabiam mexer com dinheiro. Já Jodorowsky acreditava que eles não conseguiam conceber um filme de Ficção Científica desta maneira, pensavam só que poderiam se basear em 2001: Uma Odisséia no Espaço, ou nos outros “filmes B” já criados. Chegaram a pedir a Jodo que fizesse um filme de uma hora e meia, mas o tempo do filme não era uma coisa que ele estava preocupado. Ele dizia “Pra quê tempo? Farei um filme de 12! Ou 20 horas!”. Mas sabemos que existem todos os procedimentos para a realização de um filme, e o tempo dele, o formato e várias outras coisas também contam nessa hora. Quem dera fosse só arte.

Enfim, por falta de dinheiro e apoio dos estúdios, estava tudo acabado. O filme não seria feito, e tudo que haviam planejado, foi por água abaixo. Na minha opinião, Alejandro estava tão obcecado pelo filme, que acabou o colocando à frente de tudo em sua vida. Não sei o quanto isso atrapalhou em relação ao filme sair ou não do papel, mas vemos aqui que o excesso, até da paixão por algo, atrapalha nossas execuções pois nem tudo depende só de nossos esforços.

Muitos dizem que Jodo até hoje carrega esse acontecimento em sua vida e que é uma marca permanente. Mas após esse “fracasso”, começou a escrever quadrinhos e colocou tudo que estava em Duna em suas HQs.

Alguns anos depois, o filme foi passado para David Lynch dirigi-lo. O que deixou Alejandro em pânico, não pelo diretor, que admirava muito, mas porque outra pessoa iria realizar seu sonho. Mas quando foi ver o filme no cinema, quase que obrigado pelos filhos, começou a rir de felicidade, porque achou o filme horroroso, um fracasso! E constatou que, na opinião dele, foi culpa do produtor, não de Lynch. Já Michel Seydoux não assistiu ao filme e disse que nunca irá assistir.

Na opinião de muitos críticos, como Devin Faraci e Drew Mc Weeny por exemplo, existem várias referências visuais de Duna de Jodorowsky em filmes como Star Wars, Flash Gordon, Exterminador do Futuro, Prometheus e todos acreditam que os livros rodam pelos estúdios até hoje, virando referências para vários cineastas diferentes. Mas uma coisa é certa, se não existisse Duna de Jodorowsky, talvez não existesse Alien, Blade Runner, e até Matrix. O criador do Alien foi ninguém menos que Giger. E Hollywood passou a usar o grupo de criação que Jodo tinha montado para Duna. Com essas influências, imagina então se o filme tivesse acontecido de fato?

Essa é uma obra, de acordo com quem participou dela, extraordinária e que poderia ter mudado muita coisa que conhecemos dentro do entretenimento. Muitos dizem que poderia ser maior até que a saga Star Wars, quem sabe. O fato é que a pura arte não foi suficientemente envolvente ao ponto de hollywood sair da sua zona de conforto e experimentar coisas completamente diferentes do que já havia feito.

“Se Duna tivesse sido feito, teria sido mais importante que 2001: Uma Odisséia no Espaço”. Disse Chris Foss.

“Não se pode fazer uma obra-prima sem a loucura. Talvez Duna fosse loucura demais, mas um filme sem um pouco de loucura, não vai conquistar o mundo.” disse Michel Seydoux, produtor de Duna.

HOLANDÊSVOADOR

Embarcando no cinema

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